24 outubro 2014
O que não mata...
- E aí, mãe, qual a sobremesa de hoje?
- Tem mais um pedaço daquela torta deliciosa de chocolate pra você, filho.
- Ah, de novo? Todo dia é isso!?
- Ué, mas você não gostava tanto?
- Hum, sei lá. Estou meio sem fome. E sendo a mesma coisa todo dia, perde a graça.
- Não te entendo. Vivia obcecado por essa torta, sempre me pedia. Deu até o nome de Bestia Negra pra ela! Agora, quando eu resolvi preparar várias de uma vez, você recusa.
- É que virou costume, mãe. Você podia variar um pouco às vezes.
- Bom, você que sabe. Ela está na geladeira. Só pegar. E gostaria que eu não tivesse feito-a com tanto carinho à toa.
- A senhora fez pra mim e ela já é minha, certo? Então, deixa aí. Quando eu quiser, como.
- Ah, quer saber? Já que você está de palhaçada, vou dá-la pros seus irmãos.
- Não! Deixa que amanhã eu como! Ela é minha!
- Sua uma ova! Vou ali na sala ver quem quer.
- Tudo bem, deixa pra eles. Quero goiabada mesmo.
- Então vai no mercado e compra.
- Ué, acabou?
- Sim!
- Mas que droga! E a torta? Deu pra quem?
- Você é sortudo, hein! Nenhum deles quis. Ela sobrou pra você, e está em cima da mesa.
- Hum, fazer o que... É o que tem pra hoje.
- Então come, caramba!
- Já que ninguém quer, terei que comê-la.
- Para de reclamar de barriga cheia! E come logo!
- Tá bom! É... Até que é gostosa.
@_LeoLealC
16 outubro 2014
Judas e o milagreiro
João foi ao Mineirão pela primeira vez, acreditando no seu Galo, na certeza de que o confronto ainda estava em aberto.
Ele sempre jurou ser atleticano até o pé, daqueles que não aceitam nada de cor azul em sua casa. Nasceu e morava em Ituiutaba, bem longe de BH, e só havia visto o Atlético de perto quando há muito tempo a equipe foi enfrentar o time de sua cidade natal, no Campeonato Mineiro.
Há dois meses, João se mudou para a capital e agora pretende acompanhar seu time no estádio sempre que puder.
Isso, se o peso que hoje caiu sobre sua consciência deixar.
Era o primeiro jogo decisivo de sua vida. O cara entrou no Mineirão abarrotado de gente e se encantou. Mas, supersticioso como sempre foi, já lamentou na entrada do time:
"Droga. Essa camisa branca só dá azar. Logo hoje, Galo?".
Bola rolando, bico pro alto... gol do Corinthians.
Mais dez minutos, um gol perdido de cara e João, como um traidor, se levanta e vai em direção à saída. Um torcedor, que nem lhe conhecia, percebe e o para pra perguntar:
- Vem cá, você já vai embora?
- Sim, vou ficar aqui fazendo o que? Já era!
- COMO É QUE É? Você se esqueceu do que significa essa camisa que está vestindo? Não lembra o que vivemos ano passado?
- Cara, precisamos de 4 gols. Tardelli cansado, André em campo...
- Ele não está nem jogando! Que jogo você está vendo?
- Ah, que se dane! Hoje não dá mais pra ter milagre!
- Não dá é o car#$*&#! Fica nessa p&@$! Aqui é Galo!
- Eu não! Vou pra casa dormir!
Assim ele foi, sem nem se importar com o dinheiro que havia desperdiçado.
Chegando em casa, ele liga a TV por curiosidade e se depara com o 2 x 1.
- Uai, será?
- Mas peraí... Por que eu não estou lá com eles?
Nesse momento, ele já não sabia se estava torcendo contra ou a favor, se era melhor seu time se classificar ou livrar-se da consciência pesada.
3... 4! Por força de hábito, João vibra, tira a camisa, bate na parede e comemora como um louco o gol antes impossível. Até que ele se toca e cai de joelhos chorando.
Mas não de alegria, como em 2013, quando assistia a aquilo tudo de sua casa, bem longe dali.
Dessa vez eram lágrimas tristes, mesmo que Galo desse motivos para um sentimento totalmente diferente.
Caía a ficha de João, que havia estragado o dia em que o Clube Atlético Mineiro transformaria em um dos melhores da sua vida.
Assim como fez com milhares de fieis seguidores que não o abandonaram.
Todos aqueles ganharam mais uma história pra contar.
João, não.
Neste dia histórico que o rapaz desperdiçou, ele só tem a lamentar e se desculpar com o Galo e a Massa.
Se depois de hoje João iniciará o processo de aprendizado sobre o que é ser atleticano, ainda não há como saber.
Mas quanto a ele, a Massa já tem uma certeza:
"Você não nos representa".
@_LeoLealC
13 outubro 2014
"Foste herói em cada jogo..."
É quase impensável a ideia de um time grande tratar a salvação do rebaixamento como algo a se celebrar, afinal não é um feito, e sim a escapatória de um vexame.
Porém você, Botafogo, está perdoado.
Do mesmo jeito que pode não ser aceitável se contentar com tão pouco, não é nada imaginável um grupo de profissionais que não recebe há 8 meses se esforçar tanto para honrar a instituição que representa.
A diretoria não paga, a torcida não comparece e o presidente manda meio time embora. Seria muita maldade jogar toda a responsabilidade nas costas dos que sobraram, a maioria garotos.
Mas a sorte deste Botafogo é que o que falta de dinheiro, jogador e torcida no estádio sobra em vergonha na cara e hombridade nos que vestem sua camisa.
E por isso, eles não merecem cair.
No Amazonas, longe de casa, da trégua e tecnicamente do adversário, tinha-se a expectativa de iniciar-se a contagem regressiva pro que seria o iminente rebaixamento. Mas lá foram eles, gladiadores travestidos de jogadores, trazer os três mais incríveis pontos que alguém já buscou neste campeonato. E contra quem há pouco bateu o líder.
Odeiem a diretoria, mas confiem e tenham orgulho de vosso time, botafoguenses. Eles estão lá por vocês, pela própria honra e pela estrela que carregam, mesmo sem ver a cor do faz-me-rir há mais de 200 dias.
Eles fizeram o rebaixado Botafogo voltar a ser apenas um ainda favorito a cair. Merecem escapar pelo o que estão fazendo, mesmo já não tendo a obrigação.
O único dever desta equipe era a dignidade. Isso, ela está cumprindo.
E a única obrigação que resta é sua, botafoguense.
Esteja ao lado deles.
Afinal, eles estão ali por você.
@_LeoLealC
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