06 agosto 2015

Monumental


Libertadores não admite blazer, lugar marcado, cadeira acolchoada, pipoca, nem plateia. Ela não esbanja fortuna, nem é preparada por um grupo de mordomos com luvas que a servem ao molho inglês. Ela ri da cara de quem vai a Wembley cheirando a fragrância francesa assistir sentado à final da Champions League dizendo estar diante do verdadeiro futebol.

Libertadores não é cinema, e sim um rico cenário a inspirar graciosos roteiros. Ela não admite fãs adoradores de espetáculo, pois é engenhosamente arranjada para apaixonados. que saem de casa na busca de influenciar o que vem a acontecer no relvado,

Libertadores odeia flashes e troca qualquer câmera por um sinalizador.

Festa? Às vezes. Ela admira mesmo uma senhora guerra.

Ela não exibe organização. Ela oferece lágrimas, concedendo uma extensa variação de sabores.

Trata-se de poesia em guerrilha, de caprichos em pinturas borradas, assimétricas. É onde o homem escava a alma até resgatar instintos primitivos. É o simbolismo de uma afeição.

Falo da alma, do coração picotado e distribuído nas glândulas sudoríparas, do pulmão por onde o futebol ainda respira. É a maior explicação sobre o vínculo do ser humano com a bola.

Libertadores é a competição mais humana da Terra.

O River foi dono de uma campanha pífia na fase de grupos e se classificou tendo pouco mais de um terço dos pontos disputados. Uma das classificações mais cafajestes da década, que passou pela inocência do Tigres, que poderia entregar na última rodada e deu uma de bom menino.

Mas ela separa. E enquanto o mexicano é o menino prodígio, o argentino é o cara cascudo.

O Tigres, com um timaço, chegou à final e se deu por satisfeito. Para eles, basta. O River, que caiu de paraquedas no mata-mata, criou seu favoritismo por saber usar a camisa e entender perfeitamente o que estava em jogo.

Os mexicanos empataram em casa na ida e a torcida saiu do estádio fazendo festa, saldada. O que vier, para eles, é lucro.

Enquanto um já havia chegado no objetivo, o outro transformou em obrigação assim que avistou a possibilidade.

O Tigres ia perdendo gols e achando normal, vivendo com naturalidade e passividade a chance de conquistar algo que ele mesmo se recusava a acreditar. Aceitando de véspera um revés para o adversário inferior tecnicamente que se fez favorito na marra.

Ele vivia uma festa e bailava. O River, uma guerra. E lutava.

Libertadores não pede time bom. Pede time grande. E enquanto os dois alcançavam o que queriam, o mais exigente era premiado com a oportunidade de transformar um vexame numa conquista convincente.

E quem vai poder dizer que mereceu mais?

Foram apenas 5 vitórias - uma por W.O. - em 16 partidas. E daí?

A vida é para ser justa. O futebol, para ter emoção, brilho e história pra contar.

A justiça, nele, não está no que se faz por onde, e sim em quando é feito.

A vida, justa, deu ao bom menino a festa antecipada e a satisfação da bela campanha.

O futebol, brilhante, deu ao mais humano time do torneio a taça que tem vida própria.

Quando o bom menino decidiu permitir que o cara cascudo se classificasse, a Libertadores decidiu vestir uma mesma camisa desde as oitavas.

E quando ela quer, surge final feliz.

Mesmo após a morte do protagonista.

@_LeoLealC

2 comentários:

  1. Sensacional. Parabéns pelo excelente texto: para um jornalista, sempre marcante.
    Pedro

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  2. SENSACIONAL! Que orgulho desse menino Leo ♥

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