20 maio 2014

O boteco (agora é bar), o bêbado chato, o sóbrio


Um boteco muito querido na Zona Norte do Rio passou por reformas, mudanças e agora é um bar com música ao vivo, cerveja mais cara e uma clientela mais elitizada.

Os mais antigos, é claro, não curtiram o novo estilo. Eles preferiam o chopp simples, com aquela carne vindo da churrasqueira enferrujada, jogando sinuca com o dono. Os mais novos acharam bonito e que vale a pena a modernização.

O boteco vivia lotado, sempre com os amigos de seus 4 clientes cariocas ilustres. Agora, moderno, mais caro, ainda não caiu tanto no gosto do povo, que não se habituou a voltar à rotina.

Neste domingo, o bar recebia de novo um de seus protegidos, o gente boa da favela, amigo do povão, mas que não andava muito legal. Contas atrasadas pra pagar, brigas com a mulher, filho de recuperação, várias coisas que deixam qualquer homem desolado. Enfraquecido e sem muitas esperanças de se reerguer a curto prazo, o rapaz tirou o dia pra afogar as mágoas e encher a cara.

- Põe a cerveja na minha conta que depois eu pago.

O dono, que o adora, não conseguiu dizer "não" e acolheu o sujeito.

Enquanto isso, chegava um cidadão paulista que costuma visitar o estabelecimento umas 3 ou 4 vezes por ano. Ele não estava tão mal na vida quanto o carioca, mas acordou mal-humorado e saiu de casa pra tentar melhorar o dia. Decidiu ficar só na dele, acompanhado apenas de um refrigerante.

É um cara inteligente, centrado, equilibrado. Com isso, não tenta buscar no álcool a redenção de seus problemas. E domingo, ele não estava pra papo.

Mas o carioca, já meio alterado e sem um pouco da noção, chegou pra puxar assunto falando alto, batendo nos ombros e enchendo o saco do paulista, que no começo disfarçava fingindo estar com paciência, mas depois não aguentou.

Depois do carioca, já cheio de álcool na mente, sentar à sua mesa, colocar apelido e meter a mão no seu petisco, o paulista pediu pra ele parar. Com a recusa, partiu pra briga e, mesmo com a turma do "deixa disso" chegando para apaziguar, conseguiu dar um tapa no rosto do bêbado, que poderia ser suficiente pra ele perceber que estava incomodando.

A briga se resolveu, o ambiente voltou a ficar tranquilo e o paulista até começou a abrir um sorriso conversando com um pessoal. O dono do bar também chegou pra ele e pediu pra relevar as ações de seu protegido, pois "bater em bêbado é covardia".

A conversa foi rolando e o bêbado foi se aproximando de fininho. Seu desafeto, dessa vez, relevou e aceitou as brincadeiras do rapaz.

O paulista, se quisesse, poderia espancar o carioca debilitado até deixá-lo desmaiado. Mas, talvez, achou que brigar não era a melhor saída. Assim, deu confiança para o embriagado, até demais.

Porém, pra tudo há limites.

Sem assunto, o carioca alcoolizado voltou a perturbar o sossego do sóbrio, que dessa vez, se segurou mais que o de costume, devida fraqueza do homem.

Até que no fim do dia, o rapaz embriagado, já fora deste mundo, começou uma série de insultos ao perturbado, que à esta altura já estava bastante estressado com o sujeito.

E depois de se controlar tanto, o paulista acabou partindo pra briga novamente e atingindo de novo o rosto do alcoolizado.

Este, por sua vez, carregado, foi então pra casa.

O homem sóbrio então percebeu que era só mandar logo o chato embriagado embora que sua tarde seria tranquila.

Porque bater nele foi fácil. Muito fácil.

Bastaram dois tapas pro bêbado sentir sua inferioridade e ir dormir.

Assim, o sóbrio ganhou o dia e saiu dali satisfeito.

Pois quem acorda mal-humorado tem sempre a vontade de bater em alguém.

Mesmo que seja num bêbado.

@_LeoLealC

Foto: André Durão/Globoesporte.com

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