31 julho 2015

A noite perfeita


A bola na rede muda, de uma hora pra outra, a análise da postura de um time em campo. É a matemática simples e às vezes injusta que diz que, se a bola não entrar, nada está certo.

O São Paulo fez um primeiro tempo brilhante no Mineirão e amassou o Atlético no início. Mas, ela não entrou. O Galo, brilhante na eficiência, teve 3 chances e matou o jogo nos primeiros 45 minutos.

O Tricolor teve duas ocasiões claríssimas de gol em menos de um minuto. Não aproveitou e viu, 2 minutos depois, o adversário começar a construir a vitória. E quando o "Se" de um transforma-se num "Foi" para o outro, não há injustiça.

A noite perfeita tem o Mineirão lotado, o melhor jogo do campeonato, a ameaça de uma reação quando a partida parecia liquidada e uma gostosa inversão de papéis.

O São Paulo apático de outras pelejas foi o que agrediu e, por centímetros, não teve uma atuação perfeita. O Galo que antes atacava, atacava e tinha dificuldades em abrir o placar em casa resolveu ser eficiente, suportar a pressão inicial e decidir o jogo nas 3 ocasiões que lhe apareceram.

O time do mata-mata, dos jogos decisivos e das viradas resolveu ser regular e vai construindo uma campanha perfeita para um título incontestável que deve chegar.

A noite perfeita tem protagonista, coadjuvante, palco, figurantes e trajes perfeitos.

Como o palco, a noite perfeita também não é neutra. Ela favorece quem tanto a diverte nos últimos 2 anos.

De preto, de branco, com listras ou sem. As noites perfeitas no Brasil têm um mesmo dono desde 2013.

E não é só na tabela que o Galo está à frente dos outros.

@_LeoLealC

21 julho 2015

Cartão de visita


Além do domingo ensolarado, do clássico e da casa cheia, o dia também era especial pelo ingrediente a mais. Era o dia do grande jogador, da sua primeira vez no Maracanã diante da sua torcida.

Ele não deu muito certo no Flamengo, ao contrário de suas belas atuações no futebol gaúcho. Depois de fazer dinheiro no exterior, volta para o Rio, já longe do auge de sua carreira, para ajudar o novo clube a alçar voos maiores no Brasileirão, um título que ainda não tem.

O meia chegou para dar um toque de experiência ao time, que carecia de alguém de tal cacife no meio-campo. Eficiente nas bolas paradas, veio para ajudar o ataque a criar mais lances de perigo.

Reconhecido por seu talento, ainda tem a ginga e representa a nata do futebol brasileiro. Surgiu magricelo, habilidoso e driblador, chamando a atenção dos olheiros estrangeiros. Hoje, já na casa dos 30, sem a mesma explosão de outrora, se destaca nos bons passes e faz a diferença nas faltas. Mesmo que não seja o de antes, ainda sim será muito útil.

O nome no diminutivo mantém sempre o ar de garoto, moleque, travesso, filho de nosso futebol. Um ídolo para quem vai ao estádio vê-lo, um espelho para a molecada. Sem contar o marketing positivo que sua presença traz. As vendas de camisas aumentam, criam-se produtos usando sua marca, um lucro maior é gerado.

Sua contratação, nessa idade, torna-se um risco. Um atleta de alto salário pode causar ciúmes no elenco e, caso o desempenho não seja o desejado, pode-se tornar um prejuízo. Mas o que vale, no momento, é a expectativa.

E o que valeu, neste domingo, foi seu dia mágico.

Uma boa parte do público presente esteve lá por sua causa. E a primeira vez na frente de sua torcida no Maraca é diferente.

O debuto foi celebrado na tarde que beirou a perfeição. Além da festa, ele abriu o caminho para a grande vitória.

O dia era dele. E ele transformou em dia do Vasco.

Pode se empolgar, vascaíno.

Você tem Andrezinho.

@_LeoLealC

05 julho 2015

De Valdés a Sanchez. Enfim, Sanchez


"Caro Alexis Sanchez,

Você, meu nobre, com certeza ouviu falar, mas não tem ideia de como o ano de 1973 foi doloroso ao nosso povo. Caminhávamos sob a entropia e o desvario que a Guerra Fria nos salpicava. E após cairmos no penhasco do socialismo, colidimos de vez com o chão da amargura quando fomos puxados a mera força pelos americanos ao ingresso sanguinário à Escola de Chicago.

O 11 de setembro nos doeu muito antes das duas torres. Pinochet, aquele maldito!

Você também não sabe o quanto estávamos ansiosos para a peleja com a União Soviética naquele 21 de novembro. Era importante, valia vaga na Copa de 74. E principalmente porque tentávamos buscar no futebol alguns minutos de paz e sorrisos discretos, mesmo diante daquele solo tão ensanguentado, torturado, desalmado.

Fomos enganados. Eu era um daqueles 18 mil que compraram o ticket daquela partida para chegar ao estádio e me deparar apenas com aquele espetáculo musical mequetrefe da banda militar chilena. Os soviéticos nem sequer viajaram. Tinham medo, assim como eu, aqueles 18 mil e toda a população, entre eles, seus parentes.

O jogo não existiu. Nossa seleção pisou solitária e assustada no gramado. Não esqueço o semblante de Véliz ao perceber que garantiria sua maior glória profissional no mesmo local onde dias antes centenas de conterrâneos - dentre eles, familiares e amigos - haviam sido fuzilados. 

Nosso escrete foi em direção ao gol vazio, fechando a dor com chave de tripa quando Valdés, aquele desgraçado, empurrou a pelota para a rede. Logo ele, que, mesmo sendo ídolo de meu amado Colo-Colo, jamais merecerá o perdão por apoiar aquele ditador.

Gol de Valdés. Gol de Pinochet. Gol da dor.

Gol mais triste de nossa história.

Eu paguei pra ver aquilo. E juro que me envergonho.

Fomos para a Copa e nossa atuação foi um enorme desastre, como um bom espelho do que era nosso país. 

Nosso futebol, àquela época, quando associado à causa popular, era sinônimo de tragédia. Éramos massacrados dentro e fora de campo.

Mas quando você, Sanchez, foi em direção àquela bola, eu estava atrás daquele gol e lembrei daqueles anos em que nossa pátria era associada ao sofrimento, à tortura, ao medo. Lembrei de quando este estádio se tornou um cemitério clandestino de uma ditadura. Lembrei dos amigos que perdi, das vidas que se foram, da esperança que desmaiava.

Tu trataste a redonda com tanto carinho naquele arremate, menino. Tu ajudaste a corrigir, com a bola, a alcunha que um recinto havia adquirido em tempos onde a mesma era assombrosamente tratada com tamanho desprezo.

Tu acalmaste o espírito de todos aqueles corpos enterrados naquela terra. Tu colheste o sangue ainda ali respingado e injetaste em seus olhos. Tu entendeste, junto com todos os guerreiros da armadura vermelha, o que seu chute representava para aquela gente.

Tu pegaste um desfibrilador e acordaste de vez a esperança que se encontrava em coma.

Mas é só futebol!

Mas é só futebol?

Eu vi você, Vidal, Isla, Medel, Bravo, todos ricos, com a vida feita na Europa, se emocionarem como se tivessem salvo vidas naquele fim de tarde.

Não é só futebol. Não desta vez.

Vocês não salvaram vida alguma. Mas deram sentido a muitas. 

Porque tiramos um mês para dar à nossa voz um formato esférico. Porque escolhemos o futebol para representar uma guerra e, mesmo após seu fim, vencê-la.

Porque almas que há tanto tempo subiram a partir daquele gramado, se convenceram, lá de cima, de que ali ainda há como o povo se orgulhar.

Porque a tortura, desta vez, foi de ansiedade, causada pelo entalo deste clamor em nós.

Há cerca de 42 anos, eu estava ali para assistir o nosso gol mais triste.

E neste pôr do sol, eu vi você, Sanchez, fazer o gol mais feliz de nossa história.

Obrigado por me dar a chance de ver isto enquanto vivo. 

No mesmo palco, no mesmo solo, o mesmo futebol, o novo sentimento: a vitória. Agora, a transição mais bela. 

Valeu a pena esperar.

Aos norte-americanos, que nos forçaram a sucumbir àquela ceifadora transição, mais uma semelhança histórica que, desta vez, a bola tratou de pintar: além do 11 de setembro trágico, fomos agora brindados com o 4 de julho da liberdade.

Em 2015, nosso grito de independência foi mais alto. Desenhado por uma pelota, traduzido para o castelhano.

Seus pés foram nossa garganta.

Obrigado, Sanchez."

Att.: Ramón Juanez Pereyra. 

@_LeoLealC

Foto: Marcos Brindicci/Reuters