30 maio 2014

O padroeiro do Horto


Era um dia frio em Belo Horizonte, mesmo que o céu limpo tentasse dizer o contrário. Quinta-feira, mas a cidade estava vazia, fora de sua rotina, pois era feriado.

Metade dela, diante daquele céu azul, decidiu viajar ou buscar um sossego em casa na folga. A outra, sem saber direito se haviam ou não nuvens, pois consegue enxergar apenas preto e branco quando olha pra cima, só pensava no que poderia ocorrer dentro de um certo caldeirão verde naquela noite.

O Galo jogava o futebol mais vistoso das Américas e receberia, com a vantagem do empate, um mexicano inferior a ele. Cenário perfeito para mais um show, classificação sem sustos e uma noite tranquila.

Mas eles não se preparavam para um exibição de gala, e sim uma guerra. No entorno do estádio, via-se mais máscaras do Pânico do que bandeiras. O clima era de medo, medo de que algo desse errado, de novo.

Não adianta, se você não é um deles, não irá entender.

Quem via de fora, achava que seria bem fácil. Eu, sinceramente, nem vi o primeiro tempo. Tinha quase certeza de que vinha mais uma goleada.

Liguei a TV nos 45 minutos finais. Então, o que se passava pela cabeça daquela gente ficou um pouco mais claro.

Realmente, não vi um show. O jogo era tenso e, mesmo que o resultado fosse exatamente o que o Atlético precisava, o semblante de 20 mil rostos soava algo estranho.

Até que em uma sobra espírita, um ser de vermelho cai na área e o árbitro aponta para a cal.

Instantaneamente, pôde-se ouvir o barulho ensurdecedor de um silêncio doloroso. Àquela altura, se alguém espirrasse na arquibancada, até quem assistisse pela TV ouviria. 

Lágrimas começaram a cair, até das máscaras, àquela altura, já humanizadas. Sujas, bem sujas. Poluídas por tristeza, dor, decepção, angústia... 

- Mas de novo?

Só um indivíduo poderia limpá-las.

Victor Leandro Bagy sempre foi um goleiro bem reconhecido pela sua capacidade. Já foi eleito o melhor do Campeonato Brasileiro e de vez em quando pintava na Seleção.

Para o Galo, se transferiu numa troca bem vantajosa, quando o principal problema do time era no gol. Depois de quase um ano defendendo o Atlético, a torcida gostava muito dele.

Mas, para eles, ainda era apenas um competente ser humano.

Num Independência completamente calado, cabia a ele o derradeiro grão de esperança de que o caldeirão não fosse tragicamente esfriado.

O juiz apitou, um homem de camisa vermelha foi em direção à bola e muitos ali fecharam os olhos. 

Naquele percurso entre a bola e a meta, 105 anos de história se resumiam na mente daqueles desolados cidadãos em silêncio.

- Mas de novo?

Victor caiu, mas seu teimoso pé esquerdo ficou. 

Então, na guerra, um dos onze soldados se despersonificou. 

A explosão, o grito, a alegria, as lágrimas.

Desta vez, limpas.

E no ano do início de um novo papado, um certo povo tratou de iniciar uma canonização. 

A partir dali, a palavra "herói" se tornava vaga, insuficiente.

Na noite de pânico, viu-se um milagre. Não de um goleiro, mas de um santo com luvas.

Dali em diante, o atleticano que passa por ele e não pede benção é um infiel. 

Tem gente que só acredita vendo. Aqueles 20 mil, mesmo tendo visto tudo de perto, ainda não creem. Muitos deles, ainda acreditam estar vivendo aquele dia.

Dia 30 de maio de 2013. Na cidade do Galo, deveria se transformar em feriado.

No Horto, foi o dia em que o tempo parou.

O dia que em que a América criou uma crista. A noite em que a órbita terrestre se inverteu.

E o Horto se tornou uma igreja, onde qualquer infiel se converteu.

Feliz dia de São Victor.

@_LeoLealC

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Um comentário:

  1. Nossa chorei! De novo! Obrigada por reconhecer nossa devoção ao galo e ao Victor! 30 de maio, dia histórico!

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